Lembrei-me que minha mãe fazia bolacha na véspera do Natal. Claro que tudo que ela fazia, era em escala industrial. Eu, no posto de sua ajudante imediata e única auxiliar, tinha que limpar as formas e engraxa-las, cuidar do fogo no forno-que ficava lá no fundo do quintal. Tocar a manivela da máquina de fazer bolacha,( aquelas que também eram usadas pra moer carne) e, recortar a outra parte da massa em forma de estrelas, corações, etc. Levar as formas com as bolachas para assar, retirar as bolachas depois de assadas, voltar a engraxar novamente as formas, e repor novamente com mais bolacha para assar.
Céus! Ela fazia tanta bolacha, que dava pra entupir a dentadura de velhos de um asilo inteiro!
Ufa! Enfim quando as bolachas estavam todas assadas, começava a segunda etapa que era bater umas quantas dúzias de ovos, ou melhor, às claras em neve, cuidando pra que ficasse bem firme o merengue. Não tinha batedeira, isso tudo manual. Depois de colocar o merengue nas bolachas, decorava-se colocando o açúcar de confeiteiro e voltava-se a levar as formas com bolacha para o forno, para secar o merengue.
Tinham umas quantas escadas, não eram de muitos degraus, mas que no final do dia representavam mais altas que a escada do Cristo, no Rio de Janeiro. Que lá pelas tantas eu já subia de quatro pés, de tão cansada. Isso tudo precisava ser rápido, porque se tinha uma coisa que minha mãe sabia fazer muito bem-além de cuca e bolacha, era mandar.
Sempre que ela dava uma nova ordem, completava a frase dizendo: Schnell du!!!
Isso era uma maratona pra um dia inteiro. Mas depois, ainda tinha que limpar a cozinha, que ficava cheia de farinha até o teto. Parecia que ela despejava a farinha com o ventilador ligado. O chão da cozinha tinha umas frestas de dois dedos de largura, e claro que limpar tudo isso levava horas. A sorte era que naquele tempo, derretiam-se uns tabletes de cera, bem vermelha, que levava pelo menos uns três dias pra desencardir as unhas, mas pelo menos disfarçavam algum resquício de farinha. E nada fácil era abrir o lustro do assoalho, com o tal escovão e um pano de lã, depois que a cera estivesse seca. E por mim, eu dormiria por três dias e três noites após isso.
Todavia, mais um ou dois dias ela anunciava: Amanhã vamos fazer cuca! Juro que, muitas vezes pensei em fugir de casa, bem na véspera do Natal.
De manhã, bem cedo começava a mesma maratona, pega as formas, limpa as formas, corre fazer fogo no forno, alcança os ovos, vai ver se o fogo não apagou...
Era cuca recheada de creme de chocolate (minha preferida), cuca recheada de laranja, cuca recheada com creme de groselha, cuca com cobertura de isso e aquilo...
Então, depois de tudo isso ela dizia: Agora pega e leva uma cuca pra Dona Morena, uma pra Dona Negra, um pra sicrana e outra pra beltrana...
Relembro rindo, mas me canso só de pensar o quanto corria nesta data.

Beijos, caros vistantes!
P.S.: Schnell du, significa: Rápida você.