O meu não falava, mas entendia tudo!!!! E lhes digo por que, acompanhem meu relato...
Era da cor de abacate verde “metálico”, rebaixado, rodinha gaúcha, descarga era direcionada e a tampa do motor entreaberta para refrigeração. Até que estava em bom estado no momento da compra. Tinha um ronco inconfundível (sempre fui apaixonada por ronco de carro, quesito que me fazia decidir na compra de qualquer carro). Ele foi por muitos anos meu companheiro de idas e vindas. Contam meus filhos, que a léguas de lonjura, já sabiam que eu estava retornando e, com tal aviso, faziam tudo parecer normal na minha chegada.
Na época trabalhava na área da cultura, realizando eventos como feiras e exposições que aconteciam em minha cidade. Essas feiras duravam dias e eu me desdobrava em múltiplas tarefas, o que resultava em uma longa jornada de trabalho - iniciando de manhã bem cedo e retornado somente de madrugada, após os shows. Ou melhor, tinha que ficar até depois que a equipe técnica, a de som, de palco, de luzes, artistas e fãs enlouquecidas (com direito a choro, gritos, desmaios, desesperos, piripaques, chiliques, siricoticos dos mais variados) decidissem acalmar seus ânimos e, enfim, tomar o seu rumo. Digo-lhes: nessa hora os galos já estavam fazendo gargarejo para aquecer suas gargantas e dar início ao prelúdio do amanhecer!
Falando em fã, lembrei-me de uma em especial, no show do grupo Roupa Nova. Enquanto era “passado o som” (isso geralmente é feito pela equipe técnica e não pelos próprios artistas, que descansam antes dos shows), eu preparava os camarins tanto para os artistas, como para a equipe técnica. Estava eu envolvida nos preparativos, num vai e vêm descarregando todos os l.753 itens que são exigidos em cada show, mais as idéias da minha amiga e colega de trabalho Marli, que sugeriu que seria interessante fazer mais um agrado e colocar algumas guloseimas extras.
Nesse momento deparei-me com uma moça parada ao lado da porta do camarim. Achei estranho, mas me dei conta de que precisava perfurar os cocos - não tinha a menor idéia de como fazer! Com esse dilema, num “suador” e às voltas com uma faca, eu tentava furar aquele troço duro como uma pedra. Essas horas eu já estava em desespero e pensava: “Mas que raios, porque não servir água-de-coco em caixinha?”. Sentei-me no chão (pois não podia apoiar para perfurar na mesa com a tolha de renda branca, onde eu tinha disposto cuidadosamente pratos de doces, frutas, salgados e não tinha sequer um milímetro de espaço). Concentrei-me na tarefa quase impossível e precisava ser rápida, pois sabia que tinha muitas providencias ainda para tomar.
Quando a porta se abre, eis que entra o grupo Roupa Nova! Num embaraço visível e com sorriso amarelo-pálido, mais puxando para branco, fui dando as boas vidas e pedindo para que ficassem a vontade (com um olho no peixe outro no gato), enquanto falava com o grupo, olhava para os cocos esparramados no chão.
Simpáticos e de uma simplicidade que poucas vezes vi em artistas, eles tomaram acento nos sofás dispostos no camarim, saboreando as guloseimas coloridas (tamanho de amendoim), conversando muito à vontade e elogiando as “gominhas”. Quando deram inicio à passagem de som, respirei aliviada e tentei me recompor. Ufa! Agradeci a idéia brilhante das guloseimas de minha amiga e olhei-me no espelho de corpo inteiro (coisa que todo artista exige no camarim) - levei um susto, pois meus cabelos pareciam ter sido despenteados por um vendaval. E os cocos? Com ajuda de uma alma mandada por Deus, só pode, os cocos foram furados. E a moça? Parada feito estátua ao lado da porta! Não tinha se mexido nem um centímetro do local.
Foi quando resolvi abordá-la, perguntando delicadamente se podia ajudá-la e se procurava por alguém. Ela timidamente disse que veio do município vizinho e que era fã do grupo, pedindo se eu poderia entregar uma cartinha para eles. Ora! O grupo tinha passado por ela várias vezes e acham que ela soltou um “pio” sequer? Nada! Tomei a iniciativa de chamar o grupo, para que ela mesma fizesse isso, já que vinham saindo do palco e expliquei que ela era uma fã, querendo entregar algo. Eles foram muito educados, dando toda atenção à moça. Vendo-a tímida e emocionada, pensei “ela jamais esquecerá esse momento”...
Mas prosseguindo, cansada, com sono, em “frangalhos” para ser mais exata, retornava para casa, fazendo um percurso de 4826472648 quilômetros (segundo a
Anne essa é distância exata do mesmo local onde foi assistir recentemente a um show e gostou muuuuuito – se fosse do Roupa Nova ela iria até a pé, porque ela é fã deles!) e aproveito-me da correta quilometragem para ser bem precisa, pois acredito que a Anne nunca aumenta nem um fato em seus relatos.
Pois bem, sozinha, dava início à jornada de volta, me dirigindo ao besouro verdão, já rezando para que ele, ao dar partida no motor, fizesse seu ronco costumeiro e me trouxesse de volta. Se isso acontecesse já passava para segunda parte do terço e na seqüência, o pedido era para que o conteúdo de combustível fosse suficiente para retornar (pois o marcador de combustível não funcionava e nem sempre sobrava tempo para abastecer). Entre uma oração e outra, falava com o verdão “me leve até em casa, pelamoooorr de Deus e não “empaque” no caminho!”
Quando digo que ele entendia o que eu falava, é porque muitas vezes de manhã, o verdão estava sem uma gota do precioso líquido que o fazia andar, mas nunca me deixava no caminho, podia ser sob cerração, chuva ou frio, ele nunca me deixava na mão!
Um dia relatando essa história para uma pessoa, do meu querido verdão, ela me disse: Normal... E completou: Estranho se ele respondesse!
Beijos a todos que passam por esse espaço.