sábado, 4 de outubro de 2008

Charla campeira


Entonces, como ia contando o fandango corria solto. A las tantas e num repente a luz varou a noite e o raio passou por riba do galpão e foi de encontro à égua do compadre Filistêncio. Naquele momento, parecia que o céu tinha se partido no meio. Foi negócio feio!

Eu lá num canto com uma morena faceira estava de namoro, bem na hora do estouro. Num upa, dei de mão num facão e já gritei: Me pulem os fariseus!!!
A la pucha! Foi de susto, eu confesso. Mas o chão tremeu e muita gente gritou:
-Nos salve Nossa Senhora!!!

É uma estória bem comprida e mostra que vida se acaba num relance. E se não fosse o bastante, ainda a Dona Marica, viúva pela segunda vez, no fim da prenhez gritou:
-Chegou à hora!!!

Foi um reboliço e uma gritaria, o povaréu em coro chamando pela Virgem Maria! Senti o cherume de morte, senti inté um frio no cangote e rezei que a sorte, não tivesse me abandonado. Eu não era acostumado e nem era homem de réza, mas chamei por Deus e apelei pela Virgem Maria.

Ainda bem que não era uma noite fria, se larguemo na chuvarada, eu e toda peonada de lampião e facão. Já na saída me lembro como se fosse hoje, a Dona Chica entre a vida e a morte, pedindo socorro.

Adoentada e de coração fraco, também sofria dos quarto, que lhe impedia de correr. E ao ver todo o entrevero, de susto sentiu-se mal e afinal, o pior aconteceu. Desde mocita, sofria demais. Foi criada sem mãe e sem pai, por um certo fazendeiro, homem de posses e de muito dinheiro. Vivente destemido que até bandido, corria de medo. E desde cedo à coitadinha sofria, na judiaria e no sofrimento. E nem deu tempo, de buscar o doutor. A mulher se foi, entre lágrimas e lamentos e foi nesse momento que pensei: De que vale uma vida sofrida deste jeito! Doeu no meu peito, ver a coitadinha no chão esparramada e rezei de novo, para que não virasse alma penada e que Deus lhe recebesse com alegria.

E no alvoroço e na correria, pois naquele dia quem sobreviveu entendeu, que pior que estouro de boiada, é ver a peonada em desespero e reboliço. Pois o risco que se correu, fez até ateu se colocar a rezar. E não é querer exagerar, não foi um susto qualquer, pois teve até mulher, que se curou da dor de cabeça.

Por pior que pareça, sempre tem o lado bom das coisas. Foi isso que me disse o compadre Felistêncio, que andava abichornado e que desde aquele momento é um homem feliz. Curou-se da gagueira e queira ou não queira, o triste assucedido regenerou até muito mequetrefe e bandido. No mais e para arrematar o causo, les conto o que ele sempre me diz:

- Perdi minha égua de estimação, mas a patroa essa está boa e me encanta. Bem cedo levanta me chamando de meu bem, fala que ama e me dá mais um beijinho. Carinho eu tenho até de sobra! Parece doce de abóbora, de tão bom que é. E mulher, deste jeito deixa qualquer homem tonto e faceiro. Melhor que dinheiro, é uma china que nos ame! E se não fosse o infame do raio, eu ainda era gago e estava no assoalho, dormindo ainda no chão!!!


Mais um causo gaúcho.
Beijos, aos que visitam este espaço!



A la pucha: Exprime admiração, espanto.
A las tantas: A tantas horas, lá pelas tantas.
Abichornado: Aborrecido, triste, desanimado, vexado, envergonhado, acovardado, aniquilado, magoado, acabrunhado, macambúzio, abatido.
Assuceder: Acontecer, ocorrer.
Cangote: Deturpação de cogote. Nuca, pescoço.
Charla: Conversa.
Cherume: Cheiro. Resquício, vestígio de alguma coisa.
China: Mulher gaúcha; descendente ou mulher de índio, ou pessoa de sexo feminino que apresenta alguns dos traços característicos étnicos das mulheres indígenas; cabloca, mulher morena; mulher de vida fácil; esposa.
Entonces: adv. Então, pois. (Arc. port. Em uso no RS)
Entrevero: Mistura, desordem, confusão de pessoas, animais ou objetos.
Fandango: Baile.
Inté: Até. Significa, também, “até logo”, “até outra vista”
Le: pron. Lhe. (Este vocábulo, empregado na linguagem popular do Rio Grande do Sul, por influência castelhana, é, também, forma de português arcaico).
Mequetrefe: Diz-se do indivíduo vagabundo, tratante, capadócio, fanfarrão.
No mais: Não mais, sem mais, sem preâmbulos, sem mais nem menos, simplesmente, tão somente, unicamente, apenas.
Num repente: De repente, repentinamente.
Num upa: Num abrir e fechar de olhos. De golpe, de sopetão, muito rapidamente, sem delongas.
Peonada: Grande número de peões.
Patroa: Esposa.
Povaréu: Multidão de pessoas.
Varar: Atravessar, bandear, cruzar.
Vivente: Pessoa, criatura, indivíduo.

Obra do artista plástico gaúcho: Voldinei Burkert Lucas


12 comentários:

luis lourenço disse...

Muito original...o glossário é de partir o coco....aintiga é triste...mas a graça da narrativa sublima o pesar...o destino é mais forte que a liberdade dos homens?

beijinho

RENATA CORDEIRO disse...

Lu:
É com tristeza e chorando que venho aqui anunciar-lhe a minha despedida da Blogosfera. Estou com muitos problemas, não dá mais. Mas o Blog ainda é meu e mantive o meu perfil, caso um dia possa voltar. Fiz uma postagem de despedida, se quiser despedir-se de mim, apareça. Foi uma honra conhecer a única pessoa da Blogosfera que sabe fazer poemas em prosa. Vc tem o meu e-mail. Escreva-me.
Um beijo,
Renata

Anônimo disse...

Escute aqui,mulher!
Cada dia que passa tu te debandeia mais pro lado dos pampas...que coisa!!
E nossas gírias,e nossos causos?
Tô morrendo de ciúmes,viste?..rs
Fale sobre nosso dialeto...sobre a lagartixa de parede,a pastilha de prosa e o avião de rosca...e eu cuido do Astro,pra tu ires pra roça!
Nem é chantagem...é só uma colocação,uma sugestão...hehehe!
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Ó,adorei!!
Apesar de catarina,sabes,como poucos,contar causos gauchescos...
Parabéns!
Tá lindo!!
Beijos...muitos!
.
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Quasímodo disse...

Mas que barbaridade, Milly... Não percebes que o sotaque agauchado da Lu é por conta do enrabichamento do Juca Melena com a Velha sem Queixo dela?... Lu alcoviteia os dois... Pega o sutaque.
Não te enciumeies... Logo logo ela voltará a falar em avião de rosca, lagartixas de parede e boi ralado (nem vou falar no cavalo de dois c...)

Abraços, amigas queridas....

Anônimo disse...

...hehehe...e nas lojinhas de quase dois,né,corcundinha?..rs
Esta mulher é fogo!
Faz sala pra este dois aí...fica escutando o jeito de falar deles..depois faz boça!
Eu tô que não me aguento!!
Só deixo passar batido pq somos comadres...e o Astro,aquele anjinho,nada tem com nossas ciumeiras...rs
Ficar sem vê-lo,por conta de picuinhas,seria demais pra este coração de dinda!
Se não fosse ele...bah,nem te conto!
Já tinha partido pro deixa disto!
.
..rss..
Aí,como me divirto!..rs
Beijos,Prima!
Muitos!!
Beijos,primo do Juca...todos!
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Lu disse...

Ô comadre... Causo de que andas enciumadas??? Hahahahahahaha...se tu soubesse o quanto me divirto escrevendo esses causos, começaria a escrever!
Claro comadre, que escrevo depois de chegar da roça...rss

Convivi muito com gaúcho desde criança e a influência foi muito forte. Aprecio a música nativa e nem é segredo.Pois te conto caríssima, nem sei como os catarinas falam, aká na ponta do estado, acho que toda essa influência é mais forte deste gaúchos, do que o resto.

Milly! Nem preciso dizer o quanto aprecio sua companhia, seu senso de humor. Moras no meu coração e é uma alegria muito grande tê-la sempre aká.

Astro manda um beijo pra madrinha...hahahahaha

Beijos menina, muiiiiiiiiiitos!

Lu disse...

Quasímodo...eu alcoviteio?
Mas que coisaaaaaaaaaaa...rsss

Tem caprichado no mate?
Beijo, vizinho!

Anônimo disse...

Ô,CATARINA DESNATURADA!!
Falamos assim,ó...rapidinho,cantado,
arrastando as palavras...rs
Uma mistura de manézinho com "taliano".
E sabes que ainda confundem com sotaque gaúcho!?
Qdo chegam clientes de outros estados lá no banco,sempre perguntam se sou gaúcha...rs
Acham que é tudo igual!
Eu digo..."Tudo igual é caminhão de japonês!"..rs
Eu sou CATARINA,com um orgulho deeeeeeste tamanho!...rs
.
Alegria é minha,sempre minha!
Dê outros beijos naquele anjinho..rs
E muitos em ti...
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RENATA CORDEIRO disse...

Querida:
Tenho algumas coisas a dizer. Não vou fechar o Blog, mas estou fazendo pequenas postagens de cenas de filmes com poemas ou letras de músicas (traduzidos por mim) relacionados. Ante-ontem fiz uma e ontem à noite fiz outra. Também decidi que não vou chamar ninguém para comentar os meus posts. Quem gostar de mim, o fará espontaneamente.
Um beijo,
Renata

fá... disse...

____rindo aqui dos comentários que leio,e a estória é mais uma viagem que me permiti, deixei-me levar e mais uma vez, não só li, como sorvi e ouvi..rs*
.
beijo parceira.
.

Oliver Pickwick disse...

Outro do folclore gaúcho. Fez bem em iniciar esta série. O que mais me agrada é a linguagem e seus maneirismos.
Aliás, anotei uma, referir-se a uma mulher como "doce de abóbora" é bonitinho. Lhe agradaria? ;)
Um beijo!

Anônimo disse...

Ai...ai...ai...ai...ai!
Olha eu aqui chegando atrasada!
Prima que adoro, embora eu esteja distante, tu mora no meu coração.
Mas embarquei nesse causo,até ví as cenas e mais interessante ainda,foi ler o glossário...pura cultura...tá chique demais isso aqui...rssssss
Sinto saudades das músicas que tu cantava na sala e enfim, baita saudades de ti.

***Morrí de rir com o comentário da vizinha Milly...o tal do caminhão de japonês...rssssss

beijoooooos de saudades, Lu
beijooooos pra que se diz madrinha do Astro...rsssss