segunda-feira, 9 de junho de 2008

Vidas e mistérios...

Nas redondezas nada sabiam informar sobre aquela senhora. Raramente a viam no vilarejo, exceto a fazer compras no armazém. Diferente das mulheres da região, seus vestidos eram de cores sóbrias, cortes clássicos e bordas abaixo dos joelhos. Usava chapéu nos dias de sol, o que chamava a atenção da maioria. Aparentava ter mais dos 50 anos, seu andar lento, porém firme e sua postura discreta conferiam-lhe um ar de dignidade e mistério.

As poucas informações que ouvi, foram que essa senhora ao adquirir o velho casarão, não fez pergunta alguma e ao entrar para ver o local, simplesmente cortou a explicação do antigo proprietário, que falava sobre os cômodos existentes, dizendo: Não precisa me dizer sobre os cômodos, sei quantos existem! Qual é o preço?

A oportunidade de me aproximar surgiu justamente quando a encontrei no armazém e me ofereci, para ajudá-la com as sacolas das compras. Ela me olhou profundamente, e depois de segundos, respondeu: Obrigada!

No trajeto, ansiosa por dar início à conversa, falei sobre a beleza do lugar, com seus lindos ipês floridos e as azaléias. Ela, respondeu novamente após um tempo:

- São lindos, realmente.

No restante do caminho, falei sobre minhas férias e o quanto gostava daquele lugar. Ela em resposta fazia comentários curtos.

Ao chegarmos à frente do casarão, ela me convidou para um café e prontamente aceitei. O mobiliário da sala era antigo e um vaso com cravos vermelhos perfumavam o ambiente. A lareira feita com pedras iguais às da casa dava aconchego ao ambiente e na frente da mesma havia um tapete e uma cadeira de balanço, na qual Vitória sentava.

Tomamos o café em silêncio e depois do que pareceu uma eternidade, ela olhou para mim esboçando um sorriso e comentou.
- Acredito que esteja curiosa para saber quem sou e por que escolhi viver aqui - Percebi que seu olhar se dirigiu a um porta-retratos, acima da lareira com uma foto de um homem. Respirou fundo, como que voltando à realidade e voltou a me olhar dizendo:

-Vivi escolhas, que nem sempre foram as minhas e por não serem minhas trouxeram momentos de dissabores, de resignações levadas ao extremo, motivadas todas elas por um profundo amor. Neste lugar, encontro paz e sossego, para os que sinto serem os últimos dias de minha vida. Percebo que preciso de minha companhia, do silêncio, de tranqüilidade e esse lugar bucólico tem me proporcionado isso.

- Realmente, esse casarão parece ter sido construído há anos, respondi.

- Ele foi construído em 1886, pelos meus avós, respondeu ela. E prosseguiu:

- Estás vendo ali em cima - apontando para uma viga exposta que atravessava todo o teto da sala -, a data descrita? levando em consideração os parcos recursos da época, essa é uma casa com certo glamour, um charme especial que lhe confere essas paredes de blocos de pedras naturais. Depois ela me olhou, como se lesse meus pensamentos e pausadamente disse:

- Procuramos desvendar a alma do mundo, passamos a querer entender outras almas, mas descer às nossas profundezas é o caminho que nos leva a entender todas as almas. É próprio da alma feminina dar sentido a vida pelo amor. Mas, também é próprio de muitas almas aprenderem o que é o amor. Não permita, que todo esse amor faça com que te percas de ti, pois um dia terás que fazer o reencontro...

A brisa amena e o entardecer davam um sabor especial aquele momento. Veio-me à mente o quanto as minhas expectativas nos últimos tempos tinham acabado com minha tranqüilidade. As férias tinham sido escolha minha, visto que estar longe de tudo nesse período conturbado me faria bem. Tínhamos algo em comum, sentia isso de uma forma intuitiva, embora algo nela me intrigasse e de forma intensa, essa mulher misteriosa tinha usado de palavras que me inquietaram profundamente.

Enquanto caminhávamos até o portão, pude observar o cuidado com o jardim, borboletas dançavam por sobre as flores e ela olhou-me dizendo: Bárbara, volte outras vezes!


Beijos a todos que visitam este espaço!

6 comentários:

Unknown disse...

Amei , não sou boa em literatura, só sei o que me agrada e o que não me agrada.Me agradou muito!
Beijos
Beta

Anônimo disse...

Vi-me,ali sentada na sala...tomando chá com torradas...rs
Consegues transmitir detalhes...
Gosto disto!
Beijos...muitos!
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RENATA CORDEIRO disse...

Que lindo, Lu! Não consigo elaborar textos em prosa, só poesia, de preferência sonetos decassílabos ou versos livres, mas com ritmo e nada de "eu tenho um amorzão dentro do meu coração". Isso é ridículo. Postei 2 coisas num post só. Vá lá, preciso dos seus comentários.
wwwrenatacordeiro.blogspot.com/
não há ponto depois de www
Um beijo,
RENATA MARIA PARREIRA CORDEIRO
RS: GOSTO DO SEU BLOG. QUANDO ESTIVER CANSADA, VIREI AQUI PARA RELAXAR!

Anne disse...

Ahhhh, cheguei a sentir uma certa pontinha de melancolia agora...que lindo esse, minha querida! Estou adorando essa sua fase de contos, adoro as mensagens que percebo nas entrelinhas, a sua sensibilidade e sua capacidade de descrever (sem enrolar muito, coisa que detesto)

A D O R E I!!! Beijos, amada!

Luiz disse...

Lu esse seu texto me lembra alguns dos bons livros americanos que já li escritos por mulheres. A estrutura narrativa e a estória em si me lembram aqueles livros que falam dessas casas quase que consagradas a terem donos muito peculiares. Como se a casa escolhesse seu dono... beijo

Oliver Pickwick disse...

Tem medo de contos de terror, mas percebo que gosta do mistério e do quase-sobrenatural presentes neste intrigante conto.
Um beijo!

P.S.: Estou de volta depois de uma maratona intensa de trabalho e de sucessivas viagens. Desculpe a ausência temporária.