
Terencio índio de fogo nas ventas, não levava desaforo pra casa, mas de jeito nenhum!!! Quando se via em betas, dava mão em sua adaga e a peleia estava formada. Lambanceiro e armador de banzé igual nunca se viu e tudo era motivo para baralhar as cobertas. De façanha em façanha, sua fama corria nas redondezas, o que lhe rendeu o apelido de “boca braba”.
Mas de certa feita, Terencio sumiu, mas sumiu como quem deve sumir, nem rastro e nem notícias não se ouviu mais do vivente. Mas bah tchê! O índio foi-se a la cria! Até diziam que Terencio foi se guarecer, de uma furada no bucho que levou, num fandango lá pelas bandas de Quaraí, ofendido por ter levado carão de uma china, levantou polvadeira e o qüera-marido da prenda-, teria feito o serviço.
Uns diziam que tinha se enrabichado pela tal Maruca, china lindaça, mal-penteada que fazia o sangue da indiada ferver.As más línguas até diziam que o índio, tava matando cachorro a grito, que sofria de um malfeito que Maruca tinha feito, pra laçar o vivente.
Mas pra arrematar e encurtar o causo, o que lê conto desse triste assucedido - mas ninguém confirma-, que Terencio teria importunado a filha de um certo estancieiro lá pras bandas de Itaqui e pra se vingar o tal vivente, teria mandado seus capangas no encalço de Terencio.
Terencio, que era de não dar rodeio, nem de afroxar o garrão, num entrevero fez das tripas coração e enfrentou os dez capangas! Oigalê! Dizem que, três deitaram o cabelo agarraram o mato, dois ficaram esticados no chão,um peleou até espichar a canela! Um dos locos, montado em seu cavalo levou um talagaço de fincar as guampas no chão!
Ota lá! A peleia foi feia, pior que briga de foice no escuro! Dizem que não sobrou ninguém pra contar a estória. E Terencio, contam que defendeu o pelego, mas há quem afirme que foi aquerenciar-se no andar de cima, partindo dessa pra melhor.
Causo não falta sobre o assucedido, até afirmam que viram umas aparições adonde o fato assucedeu-se e uma voz corta a noite dizendo:
- Orre Diacho!!! Me pulem capangada! Quero fazer cortar o facão em cruz no lombo desses filhos da macega!!!
Minha paixão pela cultura gaúcha me inspirou a escrever esse texto, que tem a única pretensão de compartilhar com cada um que visita este espaço, um pouco da forma falada e expressões usadas no território Rio-Grandense.
Fonte de pesquisa: Dicionário de Regionalismos do Rio Grande do Sul - Zeno Cardoso Nunes e Rui Cardoso Nunes.
A la cria: Ao Deus dará, à aventura. Foi-se embora, caiu no mundo, foi-se de escapada, fugiu.
Adonde: Em que, em tal lugar. (Arc. port. Ainda muito usado no Rio Grande do Sul)
Afroxar o garrão: expr. Ser dominado pelo medo.
Aparição: Assombração, visão, fantasma.
Arrematar: Dar o último toque, concluir, terminar.
Assuceder: Acontecer, ocorrer.
Bah!: interj. Exprime espanto.
Banzé: Arrelia, disputa, rezinga, briga, barulho, desordem.
Baralhar as cobertas: Brigar, envolver-se em conflitos.
Betas: dificuldades, apuros. Achar em situação embaraçosa.
Capanga: Indivíduo valente e devotado a uma pessoa importante, em geral fazendeiro ou político, que o toma a seu serviço para guarda-costas ou enfrentar inimigos quando necessário.
Carão: Negativa de um pedido de casamento, ou convite para dançar.
China: Descendente ou mulher de índio, ou pessoa do sexo feminino que apresenta alguns característicos étnicos das mulheres indígenas. Cabocla, mulher morena. Mulher de vida fácil.
Defender o pelego: expr. Defender a vida.
Deitar o cabelo: Fugir a disparada.
Enrabichado: Enamorar-se, apaixonar-se.
Espichar a canela: Morrer.
Fandango: Denominação genérica de antigos bailes campestres
Fazer das tripas coração: Fazer o impossível para conseguir determinada coisa que se necessite.
Filho da macega: s. Filho natural. Filho de pai desconhecido.
Fincar as guampas no chão: Cair, levar um tombo.
Guarecer: Restabelecer-se, fortalecer-se, melhorar de estado físico.
Indiada: Grupo de gaúchos, gauchada. Peonada. Agrupamento de homens.
Laçar: Atirar o laço e por meio dele aprisionar o animal, a pessoa ou objeto sobre o qual é ele lançado. O mesmo que enlaçar.
Lambanceiro: Diz-se da pessoa que faz lambança. Conversador, intrigante, rixento, que gosta de questionar.
Levantar polvadeira: Promover agitação.
Malfeito: Bruxaria, feitiço.
Mal-penteada: s. A mulher, a china.
Maruca: Designativo familiar de Maria.
Matar cachorro a grito: Andar sem dinheiro, estar na miséria, viver em grandes aperturas.
Não dar rodeio: Não temer, não afrouxar, não agüentar desaforo. Não deixar o adversário em paz.
Oigalê!: interj. Exprime admiração.
Orre diacho!: Exprime satisfação por acontecido algo de mau a um adversário ou a um inimigo.
Peleia: Peleja, pugilato, contenda, briga, rusga,disputa, combate, luta.
Qüera: Individuo destemido, guapo, forte.