
Quando o sol abre seus olhos, parindo a manhã no canto de um sábia, nas asas da esperança aguardo acontecimentos... Qual rio que se entrega a corredeira para ser cachoeira, numa derradeira constância de um viver. Abro a arca das lembranças forjada no tempo, desde que usava trança, me ponho a lembrar e admirar...
Sempre que penso em uma grande mulher, vem em minha mente a imagem da Dona Morena, a quem eu admirava muito. Ela marcou profundamente a minha existência. Morena era linda e fofa, transmitia força e delicadeza em seu olhar. Mãe enérgica, afetuosa e determinada. Passei toda minha infância junto aos seus filhos e com eles passava os dias brincando. Enquanto, dançávamos ao som de músicas tocadas no gramofone, ela tricotava nos olhando por cima dos óculos, rindo das nossas brincadeiras...
Morena adorava cozinhar. O café da tarde era um ritual de família. Todos sentavam juntos à mesa nessa hora, era algo irresistível e mágico. O aroma do café e de seus bolinhos de chuva, a mesa farta, o pão fresco... Aos meus olhos, era um verdadeiro manjar dos deuses. Nem sei dizer quantas vezes em minha vida eu participei do café da tarde e de outras refeições feitas por ela
Sempre me senti muito querida por Dona Morena e sentia seu afeto verdadeiro nos momentos em que ela me chamava e iniciava uma conversa, sempre se referindo a mim como “alemoa”. Achava lindo quando dizia “meu velho”, dirigindo-se ao seu companheiro de vida.
Os Natais eram lindos e a preparação da ceia era motivo de trabalho de muitas horas. Meus natais eram sempre em sua casa. Admirava a sabedoria de Dona Morena. Era lindo vê-la conversar, sabia de tudo e mais um pouco. Foi em sua casa que despertou o meu gosto pela leitura, pois sempre pegava emprestado algum dos livros sobre os mais diversos assuntos, da vasta biblioteca de sua casa. O som das máquinas e mágica das palavras, na impressão fresca do jornal editado semanalmente me fascinava. A gráfica no porão da casa, era um lugar que visitávamos curiosos, procurando saber dos acontecimentos.
Somente após muitos anos, vim a descobrir que Dona Morena não sabia ler e nem escrever. Seu nome tinha aprendido para assinar os documentos e votar. A mulher com quem aprendi tanto, valores, coisas do mundo, era analfabeta. Talvez tenha sido a primeira vez que recebia um exemplo claro do que é sabedoria e o que é conhecimento, duas coisas absolutamente distintas.
Um Feliz Natal para todos!
Beijos!